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Não há luxo ou tecnologia sem história

Sempre me perguntei quando deixaríamos de ser um país extrativista, de commodities para ser uma nação exportadora de tecnologia e conhecimento. Cérebros não faltam. E por incrível que pareça, orçamento tampouco. Muita gente fica assombrada quando descobre o quanto se investe em educação no país e o retorno de tal montante. O problema não é investir mais, mas investir melhor.  Falta-nos foco, estratégia, paciência e bons critérios de avaliação. Sem esquecer da ética, porque muito dinheiro é desviado em todas as esferas. Mas o problema dos dígitos não é apenas de ordem pública, mas privada. Basta verificar os valores das mensalidades cobradas por escolas de ensino fundamental, médio e faculdades; e, por outro lado, a qualidade dos estudantes. Não é preciso nenhum ranking internacional ou olimpíadas com alunos de outros países para avaliarmos a falência do nosso sistema educacional. Uma entrevista com possíveis estagiários já mostra o estágio lamentável dos nossos futuros profissionais.

A produção intelectual não se dá a partir do zero. Mas do acúmulo de saberes. Para que engenheiros da Apple criassem o Iphone, foi preciso uma longa trajetória que começou lá na Grécia. Todo pesquisador, em um Mestrado ou Doutorado sabe que a ideia de um cientista maluco sozinho no laboratório com um insight é ilustração de livro infantil. A academia trabalha com mesas em que opiniões contrárias se sentam para chegar a uma conclusão. Congressos existem para expor trabalhos e assegurar que pesquisas avancem a partir daquilo que se chama estado da arte, em outras palavras, o que melhor já foi produzido até então.

Deste modo, para o Brasil exportar tecnologia é preciso ter memória. Algo que o país se recusa a preservar. Não há continuidade, não há valorização da história e do patrimônio. Franceses se debulharam em lágrimas com o incêndio da Notre Dame. A iniciativa privada francesa investiu bilhões para reconstrução do edifício. Nem de longe, se viu tal comoção diante do incêndio do nosso Museu nacional. Quem trabalha com turismo já ouviu expressões do tipo: “Deus me livre a Europa, não gosto de coisa velha”; ou ainda “quem gosta de coisa velha é museu” e assim por diante. Mas não existe futuro sem passado, muito menos árvore frondosa sem raízes.

Em um recente encontro no Cidade Matarazzo, organizado pela Atout France, alguns dos mais importantes nomes do luxo francês discutiram a razão da França ser especialista no setor. É bem verdade que o luxo se tornou política econômica de Estado a partir de Luís XIV, mas há um ponto comum e essencial, mencionado pelo CEO da Hermès na América Latina, a diretora do Ateliers de France – responsável pela recuperação da maternidade Matarazzo e da Notre Dame, e a diretora da entidade patronal do luxo na França: a preservação das técnicas e o saber fazer (savoir faire).

A França concede honrarias aos seus artesãos. Assegura que técnicas de lapidação, produção de tecidos, bordados, vinhos, sejam mantidas porque foram se aperfeiçoando por séculos. Aqui em nosso país, ao contrário, não se acha arquivo da semana passada e a reinvenção da roda é uma aventura cotidiana.

Luxo é excelência. Excelência depende da paixão pelo trabalho bem feito. Um trabalho bem feito é quando se tem experiência. E experiência é a somatória de aprendizados.  Tradição quando honesta, justa e ética deve ser mantida. Profissionais seniores, valorizados. Histórias, preservadas. Para termos um repositório de conhecimentos que permita a descoberta de novas tecnologias e conhecimentos. Criatividade não basta.

Crédito da foto: Grégoire Vieille para Louis Vuitton.

Por Ricardo Hida, diretor de criação e conteúdo da Promonde para o Brasilturis Jornal em outubro de 2021.

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