Quem tem medo do Lobo?
Na última semana uma carta aberta a Guilherme Paulus gerou muita discussão, debates e chororô nas redes sociais.
Nela, a autora, profissional e acadêmica que muito admiro, levanta algumas questões que há muito retratam a situação lamentável em que indústria turística brasileira se encontra. Aliás sempre esteve.
E é aí que mora o problema. Muitos dos pontos corajosamente e brilhantemente levantados não são decorrentes do estilo arrojado, impetuoso e até agressivo com que o fundador da CVC conduz os negócios. Os dramas antecedem o protagonismo que a operadora assumiu nos últimos anos.
Parênteses. Quando falo de agressividade, não se trata de um defeito, mas de uma qualidade. Almocei três vezes com Guilherme, quando diretor adjunto na Atout France. Para ele organizamos uma cerimônia na Residência Oficial da França onde recebeu condecoração pelos serviços prestados ao turismo francês. As boas maneiras, seu cavalheirismo e tom de voz suave que sempre exibiu contrastam com seu estilo guerreiro de conquistar mercados.
Dito isso, volto a carta aberta. Desde que comecei a trabalhar no turismo, a remuneração sempre foi ruim quando comparada a outros setores. Na minha turma da FGV, fui o único a atuar no setor, porque turismo sempre foi visto como lazer e, portanto, seus funcionários poderiam ganhar menos, porque não trabalham, se divertiam viajando pelo mundo. Uma compreensão errada e trágica. Não à toa muita gente que começou comigo há 25 anos no trade hoje está feliz com bônus e benefícios que recebem por atuarem no segmento farmacêutico, de cosméticos, TI e telecomunicações. E pagando suas viagens do próprio bolso-recheado, com a família, a lazer, segundo seus desejos.
Já a baixa procura pelos cursos de turismo não é apenas culpa da remuneração pífia, característica do setor. É fruto, ao meu ver, de uma lei simples e velha, a do mercado. Muitos cursos não fazem mais sentido da maneira como se apresentam.
Em recente conversa com grandes nomes do ensino, que dirigem reputadas instituições, ouvi várias vezes que mais da metade dos cursos que hoje existem não mais terão lugar em um futuro próximo, da mesma maneira que várias profissões que nem imaginamos como serão as profissões mais bem-sucedidas em 2050.
Cursos como Administração, Turismo, Relações Públicas, Jornalismo precisam se reinventar urgentemente. E seus alunos, repensarem suas posturas. No caso do turismo, é inadmissível que profissionais de turismo não falem fluentemente, insisto fluentemente, inglês e espanhol. Ou que não dominem tecnologia e geografia. Deparei-me com muitos bacharelandos em turismo que corriam para o Google para saber onde se situa Katmandu, Ajaccio e Austin. E que se expressavam de maneira sofrível no idioma de Harry Potter, acreditando que ter um perfil no Instagram ou Facebook os tornavam digitais.
Prosseguindo ainda na defesa de Paulus, que nem precisa do meu artigo, ninguém pode obrigar um hotel a aceitar reservas a tarifas baixíssimas propostas por operadoras. Presenciei várias negociações tensas de DMC’s e hotéis que se recusaram a receber o imenso volume de hóspedes da CVC porque fizeram bem as contas e perceberam que a lucratividade é muito baixa. Muitos hotéis o fazem porque não investem em distribuição e promoção.
No passado vi muitas agências desprezando promotores de companhias aéreas. Passado um tempo, as comissões foram extintas e as vendas, assim como acontece com os hotéis, passaram para as OTA’s e para os sites das próprias companhias. E hoje não me canso de ver amigos agentes implorando pela ajuda dos aeroviários.
E não apenas as agências que sofreram com as mudanças dos tempos. Os taxistas com a Uber e Cabify, assim como os hotéis com a Airbnb veem suas realidades derreterem. E que não se iludam essas novas companhias achando que as coroas oferecidas são eternas. Dentro de anos serão também substituídos por novos modelos de negócios.
Não existe vilão no mercado, exceto os que roubam ou humilham. Mas existe muito cordeiro, que ainda não aprendeu que tudo é provisório porque a vida e os negócios são dinâmicos.
Precisamos enfrentar de frente, com gosto a concorrência e os desafios. Essa postura nos torna vivos. Ética, inovação, coragem e agressividade comercial nunca são em demasia.