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Os diplomatas e o turismo

Poucas profissões são tão antigas quanto as dos embaixadores. Reinos e nações sempre precisaram ter emissários que representassem os interesses no exterior de seus soberanos, chefes de Estado e, é claro, do povo. A diplomacia é uma das poucas funções que sofreu poucas mudanças em suas habilidades primordiais. Ao contrário do que o senso comum pensa, embaixadoras e embaixadores não são pessoas especializadas em coquetéis, canapés e rapapés. Embora a gentileza, os bons modos e a civilidade sejam essenciais no exercício da função, os diplomatas devem ser, antes de tudo, estrategistas, bons negociadores, dotados de muita racionalidade, sangue frio, espírito aberto e discrição.

Embaixadores nunca podem deixar seus valores pessoais e crenças se sobreporem ao do país que representam. Parece inútil repetir, mas quanto maior a autoridade, maior a responsabilidade e espírito de sacrifício. Assumir o compromisso de representar outrem exige lealdade, ética e desprendimento. Erro é quando deixam de representar o Estado e passam a representar governos. Por isso os embaixadores dos governos petistas, tucanos e bolsonaristas são os mesmos.

Daí que sempre fui contra as marcas elegerem embaixadores. Porque representar Estados, instituições, pessoas e marca exige atributos morais e grande preparo técnico. No Brasil, por exemplo, o concurso para o Instituto Rio Branco que forma nossos diplomatas é muito mais concorrido que os mais concorridos vestibulares. Embaixadores no país não podem ser nomeados sem indicação do Presidente da República e aprovação do Senado. Embaixadores, ao chegar em um posto no exterior, devem entregar suas credenciais ao chefe do Estado e são convocados diante de grandes crises, como guerras. Não importa o quanto um indivíduo seja republicano, além de apertar a mão da rainha Elizabeth, o valor da monarquia nunca será debatido por ele.  O que falam, como se apresentam, como se comportam podem criar crises diplomáticas e colocar em risco não só o PIB de um país, mas a segurança de seus habitantes.

No ano 2000 virou moda as marcas elegerem seus embaixadores. Uma década depois os marketeiros perceberam o erro: escândalos pessoais respingando na reputação das empresas. Dizem que a tecnologia se tornou rainha de nossos tempos. Nesse sentido, a transparência se tornou uma divindade. Em um mundo em que os programas de TV de maior audiência são os realities shows, privacidade nem é mais luxo, mas um valor escasso e até anacrônico.

Não é possível apenas aparentar ser. Se não houver uma mudança real nos valores pessoais preconceitos escapam em poucas palavras e criam enormes confusões. É bem verdade que os processos de seleção nas empresas se tornaram bem mais rígido por conta disso. Qualquer deslize de uma pessoa, leva a sua demissão, por pressão popular.

E por essa razão que se demonstrou um erro terrível nomear embaixadores do turismo brasileiro sem que tivessem sido preparados para tal e sem que se houvesse investigado a fundo suas vidas, suas convicções e seus valores pessoais. Muitos foram denunciados por escândalos na mídia. O Brasil é um país plural, com muito mais potencial que qualquer outro para receber distintos grupos. Do turismo católico conservador até o turista LGBTQI+. O Brasil pode acolher apaixonados por Natureza e sustentabilidade até o viajante radicalmente urbano passando pelos peregrinos no Círio de Nazaré e os foliões no Carnaval da Bahia. Oportunidades e cifrões não faltam.

E por essa razão, é preciso lembrar que o perfil dos profissionais de turismo foi sempre muito parecido com os diplomatas. Como carregar preconceito quando se deve lidar diária e diretamente com pessoas de diferentes etnias, religiões, orientações sexuais, credos e posições políticas? Como um indivíduo de visão obtusa pode lidar com clientes e fornecedores chineses, sauditas, franceses, sul africanos, norte-americanos em um mesmo dia?

Tem-se observado muitos profissionais de turismo assumirem posições e discursos radicais nas redes sociais. E perderem contratos e clientes. A crise da pandemia causou um estrago no setor, mas a intransigência nas falas promoveu destruição de reputações. Vivemos nos últimos anos a era dos extremos. Tudo indica, segundo estudos de cientistas sociais, que ela será superada em breve. Mas seus resultados já abalaram profundamente relações e imagens. Na briga pela razão, quem perdeu foi a carteira.

Faz-se urgente recuperar a racionalidade, o espírito aberto, o discernimento do que é realmente importante, a capacidade do diálogo que os embaixadores mais preparados esbanjam. Não só os diplomatas, mas os profissionais do turismo do passado e do futuro. Porque os do presente, deixaram muito a desejar.

Foto: Embaixada do Brasil em Portugal

Por Ricardo Hida, diretor de criação e conteúdo na Promonde para o Brasilturis Jornal em agosto de 2021.

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