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Santo de casa não faz milagre

Alexandre Allard está à frente do mais ambicioso e visionário empreendimento turístico dos últimos anos no Brasil: o Cidade Matarazzo. O empresário francês, nascido em Washignton no emblemático ano de 1968, e que fez imensa fortuna no setor de tecnologia, tornou-se um nome de referência no turismo quando comprou em 2006 o então combalido, mas sempre imponente e elegante, hotel Royal Monceau em Paris e o transformou em referência da nova hotelaria de luxo, quando o reinaugurou em 2010.

Além de um merecido prêmio em Cannes, a festa que ele deu em 26 de junho de 2008 entrou para a história. Não só pelo buzz e milhões em mídia espontânea, mas porque conseguiu que o jet set internacional vestisse capacetes de obras e marretas e quebrasse parte importante do histórico hotel parisiense. Depois disso muita gente copiou, sem sucesso, seu golpe de marketing com versões mequetrefes dessa noite que estremeceu Paris. Quando reaberto, o Royal Monceau seguiu causando deslumbrante incômodo por conta do projeto de Philippe Starck e os novos serviços que oferecia. Choveram prêmios: do Condé Nast Traveller até o Virtuoso. Coincidência ou não, todos os demais icônicos hotéis de luxo da capital francesa entraram na fila para retrofit, inclusive seus concorrentes diretors: o Ritz e Crillon.

Allard, em seguida, revitalizou o The Penynsula e o Pourtalès na capital francesa. E partiu para outros destinos: Miami, Londres, Roma e Beijing. Mas seu projeto mais audacioso se daria no Brasil. Quando se deparou com a maternidade Condessa Filomena Matarazzo, em ruínas na rua Itapeva, a pouco mais de 100 metros da Avenida Paulista, o empreendedor percebeu o tesouro que tinha nas mãos. Chamou Jean Nouvel e Rudy Ricciotti para recuperar a belíssima e centenária arquitetura do hospital- onde mais de 500 mil paulistanos nasceram- e criar um espaço de arte, beleza, cultura e tecnologia.

O Cidade Matarazzo oferecerá um hotel Rosewood. Mas não só. O espaço espera receber entre 30 mil e 100 mil pessoas por dia. Seja nos 34 restaurantes, nas lojas, mas também no espaço cultural que oferecerá aulas de gastronomia, exposições e shows na sala de concerto que será erguida para 1.500 pessoas. O empresário diz que o espaço poderá receber gente que gasta entre 5 reais até milhões. Detalhe que faz diferença: um aplicativo, desenvolvido em parceria com a Farfetch, vai facilitar compras e armazenar informações poderosas dos igualmente poderosos compradores.

O pioneirismo e a coragem de Alexandre Allard impressionam, mas não causam a estupefação que sua percepção do futuro do luxo promoverá. O francês diz que é preciso preservar o passado, mas oferecer a ele um novo ciclo histórico. Algo que nós, brasileiros, nunca soubemos fazer, mas que ele conseguiu com os hotéis em Paris e a marca Balmain. Em seguida propõe que atividades altamente rentáveis possam apoiar aquelas menos rentáveis, mas que produzem emoção e preservam tradições. Nada a ver com comunismo ou assistencialismo. Isso vai, também, muito além de mecenato e patrocínio. Trata-se de recosturar o tecido social e promover a integração de populações marginalizadas à economia. O grupo que ele dirige, por exemplo, criou profundos elos com comunidades indígenas para preservar saberes ancestrais, tal como fez a marca Chanel com pequenos produtores franceses. A direção do Cidade Matarazzo investiu em hortas orgânicas em terrenos subutilizados em São Paulo, empregando pessoas sem-teto. Para eles, luxo precisa levar felicidade e inspirar. Inspiração que nada tem a ver com as pseudo influenciadoras de moda. Elas causam desconforto, inveja, sentimento de rejeição. Inspirar é dar oportunidades, é trazer beleza para que outros também possam dela se alimentar.

O espaço vai receber imponente parque, para que a biodiversidade nativa possa invadir uma das áreas com maior densidade populacional da cidade. Enquanto a cabeça de empresários decrépitos briga com diversidade e sustentabilidade, os novos bilionários vão encontrando oportunidades de negócios. Ele repete um mantra que já nos é velho conhecido: as pessoas do novo século querem acumular experiências e não coisas. Daí que o turismo segue como a atividade não do futuro distante, mas do presente. E a sustentabilidade e a pluralidade permanecem como geradoras de riqueza.

Há hoje uma série de nomes que seguem nos inspirando: de Ana Luiza Trajano a Chieko Aoki. Mas Allard é um empresário cujos passos todos nós – brasileiros do turismo ou não- precisamos igualmente acompanhar. Ele consegue pensar como americano e francês. Traz um olhar matemático e artístico. Ele estará no evento France Excellence, organizado pela Caroline Putnoki, da Atout France, em 20 de setembro. Trata-se de uma oportunidade única e gratuita de entender melhor sua visão da hotelaria, do Brasil, do luxo, do futuro. Mas ouvir não basta. É preciso refletir no que ele faz e diz.  E para todos nós, fica uma pergunta: o que um empresário francês da tecnologia viu há tão pouco tempo que os homens e mulheres do turismo brasileiro ainda não perceberam por décadas? A pensar.

Por Ricardo Hida, diretor de criação e conteúdo na Promonde para o Brasilturis Jornal em setembro de 2021.

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